Por: Júlio Correia
Apraz-me, sobremaneira, analisar as mudanças operadas em Cabo Verde, sector a sector, porque, em quase todas as áreas, o nosso País tem vindo a melhorar significativamente e, a cada dia, encurtamos o caminho que nos faltam trilhar para chegarmos ao Desenvolvimento.
Apraz-me este exercício na medida que somos a geração de tem a memória presente da trajectória deste País ao longo dos seus trinta e cinco anos de soberania – memória que nos subsidiará a gizar os momentos bons e menos bons, os momentos fortes e frágeis, porém momentos nossos que deveremos assumir com sentido de pertença colectiva e com o dever de participação cívica.
E neste revigorante exercício de analisar, olhar e gizar, sempre com o sentido de responsabilidade política de Deputado da Nação, queria destacar, para além dos ganhos constitucionais e jurídicos da conformidade democrática, aqueles nos sectores educativos, da saúde, da reforma administrativa do Estado e da Agricultura, este último sector, assunto que iluminou o debate na última sessão plenária da Assembleia Nacional.
Sob fortes condicionantes ambientais e climáticos, este Sahel Insular que é Cabo Verde tudo tinha para o abandono da agricultura, pois esta não tinha o potencial económico crítico para o investimento e para a mobilização dos activos para o seu desenvolvimento. Cabo Verde, enquanto Estado, nasceu sob o estigma de relegar a agricultura à sobrevivência, senão mesmo ao abandono, como aliás alguns sinais de desertificação do campo, do êxodo rural e da rápida e desenfreada industrialização nos dão conta. Entretanto, há que reconhecer o mérito de se ter feito o contrário. Reconhecendo na agricultura um dos suportes essenciais para a segurança alimentar, para o equilíbrio sociológico e ambiental, para a animação da pecuária e do agronegócio, muito tem sido o investimento no sector agrícola, quer chova ou faça sol, quer venha a bonança ou a lestada, a pródiga humidade ou a praga dos gafanhotos.
Este esforço de recriar e revitalizar a agricultura, hoje com rega gota-a-gota, hidroponia e barragem – quem diria? – teve o seu grande boom depois de 2001, altura em a Agricultura, seguindo às recomendações da FAO e à reavaliação do retorno ao sector primário em vários países do mundo.
O objectivo não é só promover o bem-estar das famílias através do melhoramento das técnicas de produção, bem como da dieta alimentar, visando a redução da pobreza e da exclusão social no meio rural, mas também fazer da nossa agricultura um sector activo e participativo do PIB. Uma gesta de profunda mudança!
Hoje, quando vejo que o sentido é agir, inovar e modernizar a agricultura e a forma de trabalhar a terra, como são os ensinamentos que se podem tirar do projecto de Vinha de Maria Chaves, desenvolvido pela Associação de Solidariedade e Desenvolvimento, na Ilha do Fogo, vejo que valeu a pena repreorizarmos a Agricultura, que valeu a pena o investimento na capacitação humana. O ministro do Ambiente, Desenvolvimento Rural e Recursos Marinhos, José Maria Veiga advogou que se deve apostar numa agricultura especializada e com alto valor económico à semelhança da Vinha de Maria Chaves. É isto a coisa certa: aproveitar o II compacto do MCA para a mobilização de água a grande altitude, associado a energias renováveis, para as zonas agrícolas de modo a contribuir para a segurança alimentar em Cabo Verde.
Vejo ainda no apostar num novo projecto para a recuperação da, praticamente falida, Justino Lopes, em Santa Cruz, antes a maior empresa agrícola do país. Com a quase extinção da produção de banana, fruto da salinização do terreno pela penetração da água do mar, e com a má gestão nos anos 90, a empresa acabou por cair em falência. Hoje, vamos reerguê-la, fazer dela agricultura, agropecuária, agronegócio e agroeconomia. Vamos fazer isso em várias localidades de Cabo Verde.
Quais os custos da capacitação dos solos, de ganhar terrenos aráveis, de reeducar o agricultor, de mudar o paradigma da produção, da industrialização e da comercialização agrícola?
Serão mensuráveis, à luz de despesas e receitas, dos simplismos das perdas e dos ganhos e das frases de efeito em período pré-eleitoral, as grandes e profundas mudanças operadas na área rural, onde se esboça não só a mudança de um modo de produção obsoleto e para a sobrevivência para aquele gizado na Segurança Alimentar, no Equilíbrio Ambiental e na revitalização da Agricultura e do Sector Primário, no quadro das recomendações da FAO?
Não estaremos a passar ao largo das análises justas e objectivos quando não olhamos pela reformatação de dezenas de bacias hidrográficas, para as novas formas de aproveitamento da água e para os recursos a uma irrigação que optimiza o potencial hidrográfico cabo-verdiano e o torna mais eficiente e eficaz?
Não estaremos a tapar o sol com a peneira quando não vasculhamos os impactos das correcções das encostas e das ladeiras, permitido que áreas desgastas pela seca e pela erosão estejam doravante verdejantes e produtivas mal caiam as primeiras chuvas?
Não estaremos a dar o dito por não dito quando vemos a barragem de poilão na retenção de muitos milhares de metros cúbicos de água que, antes se destinava ao mar e agora rega as hortas e os lagares dessa importante região agrícola da ilha de Santiago? E o que dizer de mais três barragens em construção nesta ilha de Santiago, o maior celeiro agrícola do Arquipélago, bem com aquelas que, estudos já feitos, arrancarão em breve na ilha de Santo Antão, outra importante ilha agrícola de Cabo Verde e de algumas outras paragens destas ilhas?
Uma verdadeira revolução se operou no sector agrícola e isto tem impactado a sociedade, a economia e a cultura cabo-verdiana. Nesta senda, o Governo vai arrancar com a construção de mais três barragens ainda este ano na Ilha de Santiago, e já mobilizou financiamento para a construção de mais 10 barragens em todo o país. Neste ano ainda serão construídas 15 mini-barragens no Maio e 5 mini-barragens na Boavista. De que custos estarão a falar? Com certeza não daqueles sem preço e tenham a ver com o Desenvolvimento de Cabo Verde nesta hora de construir o futuro.